sábado, 27 de junho de 2020

Amplexo

Mãe, me dá um amplexo?
A pergunta pega Cinira desprevenida. Antes que possa retrucar, ela nota o dicionário na
mão do filho, que completa o pedido:

– E um ósculo também.

Ainda surpresa, a mulher procura no livro a definição das duas estranhas palavras. E encontra. Mateus quer apenas um abraço e um beijo.

Conversa vai, conversa vem, Cinira finalmente se dá conta de que o garoto, recém-apresentado às classes gramaticais nas aulas de Português, brinca com os sinônimos. “O que vai ser de mim quando esse tiquinho de gente cismar com parônimos, homônimos, heterônimos e pseudônimos?”, pensa ela, misturando as estações. “Valha-me, Santo Antônimo!” E emenda:

– Pára com essa bobagem, menino!

– Ah, mãe, o que é que tem? Você nunca chamou cachorro de cão? E casa de residência? E carro de automóvel?

– É verdade, mas…

Mas a verdade é que Cinira não tem uma boa resposta.

– E meu nome é Mateus – continua o rapaz. – Só que você me chama de Matusquela.

– Ei, isso não vale. Matusquela é apelido carinhoso.

– Sei, sei. Tudo bem se eu usar nosocômio e cogitabundo em vez de hospital e pensativo?
E criptobrânquio no lugar de mutabílio?

– Mutabílio? O que é que é isso?

– O mesmo que derotremado, ora. Tá aqui no Aurélio.

Está mesmo. É um bichinho. Mas pouco importa. A mãe questiona a opção do menino por vocábulos incomuns. Mateus sai-se com esta:

– A professora disse que aprender palavras é como ganhar roupas e guardar numa gaveta. Quando a gente precisa delas, tira de lá e usa. Cada uma serve para uma ocasião, por mais esquisita que pareça. Igual à querê-querê roxa que você me deu no último aniversário. Lembra?

Como esquecer? Cinira nem se dá ao trabalho de consultar o dicionário. Sabe que a explicação para essa última provocação está no verbete camiseta.

 

Disponível em: http://novaescola.org.br/fundamental-1/amplexo-634320.shtml

 

terça-feira, 16 de junho de 2020

CRÔNICAS


CONFESSIONÁRIO >> Albir José Inácio da Silva
Desde de que me entendo por gente estou às voltas com esse negócio de pecado. Quando adulto o que consegui foi não me importar mais com os acusadores. Mas os pecados mesmos, esses nunca me deixaram.

Na infância os mais graves eram malcriações, pirraças e língua para os coleguinhas. A admoestação me trazia remorsos e obrigava a promessas de não repetir. Em vão. No dia seguinte lá estava eu fazendo tudo de novo. Era mais forte que eu. Eu bem que gostaria de agradar, ser um bom menino. Mas o que conseguia era adicionar outros pecados que a idade ia me apresentando.

Na adolescência acrescentei pecados bem mais graves, segundo me disseram, sem me livrar das culpas da infância. Pequei com o pensamento, com os lábios, mas sobretudo com as mãos. Enquanto era advertido sobre os perigos do pecado, meus pares, principalmente os de saia, me incentivavam a pecar. O Senhor não sabe como é difícil porque o senhor é Padre.

Na universidade pecados sociais se juntaram às anteriores desobediência e luxúria. Por exemplo, não ser miserável como as massas que deviam ser salvas era crime de lesa-humanidade. Isso começou gerações antes, com pais e avós que acumularam a fortuna da casa onde moravam e alguns móveis velhos. E também pagaram escola em vez de tomar o poder para que todos estudassem de graça. O Senhor pode colocar na minha conta mais o pecado de amar esses pecadores e não fuzilá-los.

Já adulto quis a qualquer preço o reconhecimento, o prestígio e o respeito dos outros. A tudo eu justificava com a lei da sobrevivência. Que havia de errado em defender-me nesse salve-se quem puder? O pecado agora, me diziam, era a ganância. De nada adiantaram exemplos de mártires e heróis domésticos, acadêmicos ou religiosos. Acrescente-se o mau-humor e o tédio, que não pode deixar de ser pecado, considerados os danos aos circunstantes. Até o que pareciam boas ações eram na verdade autopromoção, ou guardavam algum inconfessável interesse. Confesso também a ostentação, afinal de que adianta conquistar em segredo.

Agora que a velhice já não me permite tanta atividade pecaminosa, temos um impasse. O Senhor não me absolve porque eu não me arrependo. E eu não me arrependo porque seria hipócrita: sob as mesmas condições de temperatura e pressão e oportunidade eu cometeria os mesmos pecados. Faria de novo, não por achar certo, mas porque não há opção. Se estava escrito que Judas ia trair e Pedro negar, como poderiam eles não fazer? Se não posso escolher o bicho que quero ser, por que é pecado ser humano? Se me queriam culpado, aqui estou. Culpado, mas não arrependido.

A propósito, mais um pecado: morro de inveja porque sei que há por aí pecadores tranqüilos que pedem perdão à noite, zeram a conta, para tornar a pecar pela manhã. Estão sempre em paz, não lhes pesam os pecados.

Não é o meu caso. Os pecados sempre me atormentaram. E, se não posso ser perdoado, pelo menos que me descontem da pena essa vidinha medíocre que herdei, construí ou compliquei, mas que era a única que havia pra viver.

Vida culpada, Reverendo, que já está na reta final mas parece bem pior que o último círculo do inferno de Dante. Sua bênção.


Crônicas de Arnaldo Jabor

Crônica do Amor

Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.

O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.

Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais.

Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.

Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.

Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.

Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no
ódio vocês combinam. Então?

Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.

Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a
menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.

Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama
este cara?

Não pergunte pra mim; você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.

É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura
por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.

Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?

Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.

Não funciona assim.

Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível.

Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó!

Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.
Arnaldo Jabor
Cidadão
Zé Geraldo
Tá vendo aquele edifício moço?
Ajudei a levantar
Foi um tempo de aflição
Eram quatro condução
Duas pra ir, duas pra voltar
Hoje depois dele pronto
Olho pra cima e fico tonto
Mas me chega um cidadão
E me diz desconfiado, tu tá aí admirado
Ou tá querendo roubar?
Meu domingo tá perdido
Vou pra casa entristecido
Dá vontade de beber
E pra aumentar o meu tédio
Eu nem posso olhar pro prédio
Que eu ajudei a fazer
Tá vendo aquele colégio moço?
Eu também trabalhei lá
Lá eu quase me arrebento
Pus a massa fiz cimento
Ajudei a rebocar
Minha filha inocente
Vem pra mim toda contente
Pai vou me matricular
Mas me diz um cidadão
Criança de pé no chão
Aqui não pode estudar
Esta dor doeu mais forte
Por que que eu deixei o norte
Eu me pus a me dizer
Lá a seca castigava mas o pouco que eu plantava
Tinha direito a comer
Tá vendo aquela igreja moço?
Onde o padre diz amém
Pus o sino e o badalo
Enchi minha mão de calo
Lá eu trabalhei também
Lá sim valeu a pena
Tem quermesse, tem novena
E o padre me deixa entrar
Foi lá que cristo me disse
Rapaz deixe de tolice
Não se deixe amedrontar
Fui eu quem criou a terra
Enchi o rio fiz a serra
Não deixei nada faltar
Hoje o homem criou asas
E na maioria das casas
Eu também não posso entrar
Fui eu quem criou a terra
Enchi o rio fiz a serra
Não deixei nada faltar
Hoje o homem criou asas
E na maioria das casas
Eu também não posso entrar

Parceiros

Sonhar é acordar-se para dentro:
de súbito me vejo em pleno sonho
e no jogo em que todo me concentro
mais uma carta sobre a mesa ponho.
Mais outra! É o jogo atroz do Tudo ou Nada!
E quase que escurece a chama triste…
E, a cada parada uma pancada,
o coração, exausto, ainda insiste.
Insiste em quê?Ganhar o quê? De quem?
O meu parceiro…eu vejo que ele tem
um riso silencioso a desenhar-se
numa velha caveira carcomida.
Mas eu bem sei que a morte é seu disfarce…
Como também disfarce é a minha vida!

Ler é viajar em mundos desconhecidos...



A leitura de livros pode transmitir a imaginação, e o poder de ter mais conhecimento, sobre a ortografia e um vocabulário de auto nível com os intelectuais e também poder de se expressar com mais classe.
A maior tristeza do analfabeto deve ser ele não poder se expressar melhor e nem ter o conhecimento da pessoa que se expressa bem ao conversar. É por isso que alguns analfabetos começam estudar só para ter o prazer de ler, fazendo com que o analfabetismo diminua. A leitura estimula a pessoa a ler cada vez mais, sempre buscando novos conhecimentos. Existem muitos depoimentos sobre pessoas que eram moradores de rua e saíram desse mundo por causa da leitura.
A leitura muda a vida de qualquer ser humano em busca de conhecimento. E você já leu quantos livros esse ano?

Mundo Pequeno

I
O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas
maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas
com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os
besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
os ocasos.

II
Conheço de palma os dementes de rio.
Fui amigo do Bugre Felisdônio, de Ignácio Rayzama
e de Rogaciano.
Todos catavam pregos na beira do rio para enfiar
no horizonte.
Um dia encontrei Felisdônio comendo papel nas ruas
de Corumbá.
Me disse que as coisas que não existem são mais
bonitas.
Manoel de Barros

HUUUM, TEM CRASE OU NÃO???